Introdução
Pesquisas nos Estados Unidos, quantificando o uso indevido de esteróides
anabolizantes, mostram os seguintes resultados: idade de início de consumo
entre 15 e 18 anos, em estudantes de segundo grau; a incidência é maior no sexo
masculino; 2,5% dos estudantes pesquisados relataram ter usado esteróides
anabolizantes nos últimos 30 dias; a maioria dos usuários são esportistas e a
principal razão do uso entre esportistas visa a melhorar o desempenho e entre
não esportistas, à aparência.
Nos Estados Unidos, em 1994, mais de um milhão de jovens já tinham feito
uso de esteróides anabolizantes e nos preocupa saber que o motivo do uso tem
causa social, destacando-se os efeitos benéficos do produto sem preocupação com
os graves danos à saúde. No Brasil, apesar do problema estar se agravando, não
localizamos estudos sobre incidência e prevalência do uso ilícito de esteróides
anabolizantes. Entretanto, podemos afirmar que o usuário ou consumidor
preferencial se encontra na faixa etária dos 18 a 34 anos de idade e, em geral,
é do sexo masculino.
A tentação de ganhar músculos rapidamente leva cada vez mais jovens ao
abuso dos esteróides sem orientação médica. Os efeitos colaterais, porém, podem
ser devastadores. Depois das chamadas drogas ilícitas (maconha, cocaína, crack
e tantas outras) e das lícitas (fumo, álcool, anorexígeros, sedativos), uma
nova droga começa a preocupar autoridades e profissionais da saúde em todo o
mundo: os esteróides anabolizantes. A mídia internacional sempre veicula
escândalos envolvendo atletas, treinadores e esportistas em virtude do uso
indevido de esteróides anabolizantes. No Brasil, a preocupação não é tanta com
os atletas, mas com aquele jovem adolescente que, no seu imediatismo, quer
ganhar massa e músculos rapidamente (um corpo atlético a curto prazo;
entregando-se aos anabolizantes, muitas vezes receitados por instrutores e
professores de educação física, sem nenhum conhecimento na área, que indicam e
vendem essas drogas, que podem ser compradas, em farmácias, sem exigência de
receita médica, apesar da tarja vermelha "venda sob prescrição
médica".
Na linguagem dos jovens, "bombar" significa ficar mais
atraente para as garotas e mais forte e poderoso frente ao grupo de
amigos/inimigos.
Pode ser constatado em várias academias da cidade o fato acima afirmado.
Comentários tais como "bolo sem fermento não cresce" são escutados
pelo jovem. O uso inicial dá um resultado que impressiona o jovem e ele,
escutando elogios, deixa-se levar: "Quanto mais me diziam que eu estava
bonito, mais eu queria crescer a todo custo e continuava a tomar o soro de
cadáver" (soro de cadáver é o nome dado pelos usuários, já que além do
esteroide, é usado, também, um hormônio de crescimento que, antes, era extraído
da hipófise de pessoas mortas).
Nos Estados Unidos, os médicos e pais já estão em alerta: há uma
quantidade enorme de crianças de 10 anos usando esteroides anabolizantes para
ficarem fortes, comprados no mercado negro, já que desde 1990 são
"medicamentos controlados". Uma pesquisa da Universidade de Massachusetts
constatou que 38% das crianças de Boston estão usando esteroides. "O
resultado será uma geração inteira de sujeitos robustos, nanicos e troncudos,
incapazes de jogar vôlei ou basquete, embora aptos para o ultimate fighting".
Tinha de acontecer, não é? As crianças passam o dia vendo na televisão
aqueles comerciais de atletas, nos quais a imagem passeia minuciosamente pelos
feixes de músculos e em câmara lenta. Nesses comerciais, o atleta faz cestas
impossíveis, dá saltos de um edifício ao outro e, quando chuta uma bola, o
chute soa como uma explosão. Pode ser um comercial de tênis, de vitamina ou até
de xarope, tanto faz: a constante são os músculos, os braços e pernas que
parecem troncos de aço. Nesses tempos excessivamente atléticos, vivemos todos na
era da estética; não há jovem que não queira ficar daquele jeito,
principalmente aquela "pessoa pequena que é infeliz em ser pequena".
Se aspirassem a isso apenas com alimentação controlada, adequada e sadia e
ginástica, tudo bem. Acontece que, agora, elas ouviram falar dos esteroides.
Algumas causas apontadas para uso de esteróides anabolizantes incluem
insatisfação com a aparência física e baixa autoestima. A pressão social, o
culto pelo corpo que a nossa sociedade tanto valoriza, a falsa aparência saudável
e a perspectiva de se tornar símbolo sexual constituem motivos para o uso/abuso
destas drogas. Uma boa aparência física leva à aceitação pelo grupo, à
admiração de todos e a novas oportunidades. Uma perseguição a estes itens faz
com que o jovem caia em situações de risco como anorexia, bulimia e o uso
indevido de esteroides, anabolizantes e energéticos.
Definição
Esteróides são uma classe de componentes que todos os animais possuem.
Classificamos os esteróides em androgênicos e corticóides; os usados
indevidamente são, na maioria, esteróides androgênicos (esteróides que agem
como testosterona). Os esteróides usados para tratamento de problemas
inflamatórios são esteróides corticóides (prednisolona, cortisona,
beclometasona, budesonide, dexametasona e vários outros) e não têm efeitos
anabólicos. Os esteróides androgênicos, secretados pelos testículos, são
hormônios sexuais masculinos que incluem a testosterona, a diidrotestosterona e
a androstenediona. A testosterona, no homem, é produzida principalmente nos
testículos e uma pequena quantidade nas glândulas adrenais. É proveniente do
colesterol. A testosterona e seus metabólitos, como diidrotestosterona, agem em
muitas partes do corpo, produzindo as características secundárias sexuais
masculinas: calvície, pelos no rosto e corpo, voz grossa, maior massa muscular,
pele mais grossa e maturidade dos genitais. Na puberdade, a testosterona produz
acne, crescimento (comprimento e diâmetro) peniano e testicular, fusão da
epífise óssea, cessando o crescimento em altura. É efetivo na manutenção dos
órgãos sexuais no adulto, exigindo uma pequena concentração para isso. A
produção normal no homem adulto é de cerca de 4 a 9 mg por dia, que pode ser
aumentada pelo estímulo do exercício pesado. As mulheres produzem somente 0,5
mg de testosterona/dia, daí a dificuldade em adquirir massa muscular. Os
anabolizantes possuem vários usos clínicos, nos quais sua função principal é a
reposição da testosterona nos casos em que, por algum motivo patológico, tenha
ocorrido um déficit. Muitos similares da testosterona são usados em tratamento
médico, como nos casos de deficiência de testosterona, problemas testiculares,
câncer de mama, angioedema hereditário, anemia aplástica, endometriose grave e
estímulo do crescimento em caso de puberdade masculina tardia. Além desse uso
médico, eles têm a propriedade de aumentar os músculos e, por esse motivo, são
muito procurados por atletas ou pessoas que querem melhorar o desempenho e a
aparência física. O uso estético não é médico, portanto, é ilegal e ainda
acarreta problemas à saúde.
Muitos outros similares foram desenvolvidos com efeitos mais anabólicos
que a testosterona. Todos eles possuem, substancialmente, os mesmos efeitos da
testosterona: retenção de sódio, potássio, água, cálcio, sulfato e fosfato,
síntese de aumento muscular em resposta ao exercício e possíveil aumento de
agressividade e/ou libido. Eles agem no hipotálamo e na pituitária para
suprimir a produção de GnRH, FSH e LH, causando uma diminuição na produção de
testosterona natural nos testículos e também reduzindo ou cessando a produção
de espermatozóides. Esse efeito não é sempre reversível, mesmo quando os
andrógenos artificiais são suspensos. Cânceres da próstata são frequentemente
dependentes da testosterona (consequentemente, seu tratamento por castração) e
eles podem progredir rapidamente na presença de alto nível de andrógenos. Uma
porcentagem de testosterona é convertida em estrogênio e alguns andrógenos
artificiais possuem também efeitos de estrogênios, causando aumento do tecido
dos seios por debaixo dos mamilos (ginecomastia). Isso é ocasionalmente visto,
naturalmente, em garotos púberes e numa pequena porcentagem da população de
homens adultos.
O mecanismo de ação dos esteróides anabolizantes inclui os
efeitos: placebo, em nível psicológico; euforizante, diminuindo o cansaço;
anticatabolizante, diminuindo a perda de massa muscular; aumento da utilização
e da síntese protéica.
Então eles são seguros? A aprovação e uso
de qualquer droga é uma questão de decisão - se os benefícios terapêuticos de
seu uso compensam seus efeitos adversos. Em doses terapêuticas, esteróides
causam poucos efeitos colaterais. O uso por razão estética ou frívola, sempre
em doses elevadas, (uso abusivo), é que traz consequências graves.
Vamos citar alguns medicamentos esteróides de apresentação oral e
injetável: esteróides nacionais: decanoato de nandrolona – um esteróide
injetável com efeito de ganho de massa muscular e pequenos efeitos colaterais;
derivados da testosterona tais como propionato, fenilpropionato, isocaproato e
decanoato de testosterona (quatro tipos de testosterona sintética) – muito bom
para ganho de massa e força, mas muito carregado de efeitos colaterais;
oxymetholona – esteróide oral que tem o maior poder de ganho de massa e força
de todos os existentes no Brasil e exterior, mas, de longe, também o mais
tóxico, podendo causar hepatites instantâneas, independentemente da dose;
mesterolona – toxicidade mediana e pouco efeito em ganho de massa.
Esteróides importados: estazanol, oral e injetável – tóxico ao fígado;
emantato de metolona – pouco efeito em ganho de massa, menos tóxico;
oxandrolona – não tem muitos efeitos colaterais, sendo o preferido das
mulheres. O seu efeito terapêutico é indicado para crianças com problemas de peso
nos Estados Unidos, para aidéticos a fim de minimizar as perdas musculares
causadas pela doença; trembolona – injetável, muito forte, tóxica e,
infelizmente, muito indicada por fisiculturistas e profissionais, sendo usada
por iniciantes; éster da testosterona – causa bom aumento de massa muscular,
mas com efeitos colaterais graves.
Efeitos colaterais do uso abusivo de
esteróides: tremores, acne grave, retenção de
líquidos, dores nas juntas, aumento da pressão sangüínea, alteração do
metabolismo do colesterol – diminuindo o HDL (a boa forma do colesterol) e
aumentando o LDL com aumento do risco de doenças coronarianas, alterações nos
testes de função hepática, icterícia e tumores no fígado, policitemia,
exacerbação da apneia do sono, estrias e maior tendência às lesões do aparelho
locomotor, pois as articulações não estão aptas para o aumento de força
muscular. Além desses, aqueles que se injetam ainda correm o perigo de
compartilhar seringas e contaminar-se com o vírus da AIDS ou hepatite.
Outros efeitos
No homem: diminuição ou atrofia do volume
testicular, redução da contagem de espermatozóides, impotência, infertilidade,
calvície, desenvolvimento de mamas, dificuldade ou dor para urinar, aumento da
próstata e ginecomastia nem sempre reversível.
Na mulher: crescimento de pelos com distribuição
masculina, alterações ou ausência de ciclo menstrual, aumento do clitóris, voz
grossa e diminuição de seios (atrofia do tecido mamário).
No adolescente: maturação
esquelética precoce com fechamento prematuro das epífises ósseas, baixa
estatura e puberdade acelerada, levando a um crescimento raquítico.
O abuso de anabolizantes pode causar variação de humor, incluindo
agressividade e raiva incontroláveis, levando a episódios violentos como
suicídios e homicídios, principalmente conforme a frequência e o volume usados.
Usuários apresentam sintomas depressivos ao interromperem o uso e sintomas de
síndrome de abstinência, o que pode contribuir para a dependência. Ainda podem
experimentar um ciúme patológico, quadros maníacos e esquizofrenóides, extrema
irritabilidade, ilusões, (podendo ter uma distorção de julgamento em relação a
sentimentos de invencibilidade), distração, confusão mental e esquecimentos,
além de alterações da libido e suas consequências.
Muitas vezes, o uso vem acompanhado de outras drogas não-esteróides,
como hormônio de crescimento, insulina, analgésicos fortes para dores
musculares, diuréticos e medicamentos que evitam a ginecomastia.
Trabalhos mostram que há um consumo aumentado de outras drogas (álcool,
tabaco, maconha, anfetaminas), principalmente em adolescentes. O abuso de
álcool é o mais frequente, seguido do uso do fumo e maconha. Em 1990, nos
Estados Unidos, pensou-se na possibilidade da dependência física, pelas doses
crescentes e pelo fato de os indivíduos nunca estarem satisfeitos com os
músculos adquiridos.
Atletas, treinadores físicos e mesmo médicos relatam que os
anabolizantes aumentam significativamente a massa muscular, força e
resistência. Apesar dessas afirmações, até o momento não existe nenhum
estudo científico que comprove que essas drogas melhoram a capacidade
cardiovascular, agilidade, destreza ou desempenho físico.
Devido a todos estes efeitos, o Comitê Olímpico Internacional colocou 20
esteróides anabolizantes e compostos relacionados a eles como drogas banidas,
ficando o atleta que fizer uso deles sujeito à duras penas.
O que falar dos suplementos tão consumidos e vendidos:
aminoácidos, carboidratos, creatina, L-carnitina e outros?
Destacamos que os produtos à base de aminoácidos (menor unidade das
proteínas) Megamass e outros, não são ergogênicos, só ajudando nos casos
de dietas alimentares hipoprotéicas e inadequados, apesar da publicidade de
aumentarem a massa muscular e o desempenho nas atividades físicas, o que não
comprovam os especialistas. O excesso de aminoácidos pode levar à sobrecarga
renal. Quanto aos energéticos (carboidratos), apesar da promessa de evitar
fadiga em pessoas que praticam atividade física de força prolongada, sabemos
que o produto aumenta o nível de glicogênio evitando a queima de músculos
quando o estoque de glicose acaba. Se consumido sem orientação, tem o efeito de
ganho de peso indesejável. A creatina (combinação de aminoácidos) mostra, nas
propagandas, que melhora a resistência durante o exercício e com desempenho
melhor. Entretanto, há divergências entre os especialistas, apesar da maior
parte acreditar, mediante alguns resultados de pesquisas, no efeito benéfico
deste suplemento. Pode causar hipertensão arterial e câimbras. A dose
recomendada por laboratórios é de 20 mg/dia, enquanto a dose segura é de 2 mg.
Quanto à L-Carnitina, não há efeito comprovado no desempenho físico. Alguns
líquidos similares a refrigerantes contêm apenas mistura de açúcares simples e
eletrólitos combinados e são vendidos como energéticos. Produtos à base de
guaraná são excitantes que contêm cafeína.
O que está acontecendo com os adolescentes que insistem em pular da
infância para a vida adulta, sem passar pela adolescência? É verdade que nem
sempre este período é vivido com tranquilidade, mas é também uma etapa
maravilhosa, em que um simples olhar ou um beijo acarreta uma emoção intensa,
por mais que muitas namoradas esperem por esse menino quando adulto. Peter Pan
era um garoto esperto, justamente porque não queria crescer e ficar adulto.
Mas, com os esteróides, os jovens imprudentes de hoje querem ficar adultos sem
crescer.
É importante que os profissionais da saúde que atendem os adolescentes
estejam atentos ao fato e questionem durante a entrevista o uso destas
substâncias. Pais, educadores e profissionais da saúde devem sempre questionar
valores pré-concebidos de nossa sociedade, racionalizando o culto ao corpo e
trabalhando o resgate da prudência, bem como incentivar as outras habilidades
positivas internas que todos nós possuímos, principalmente os jovens, que as
possuem e não têm consciência desta posse.
O núcleo científico do Comitê de Adolescência da SBP desencadeou
campanha por uma circular de alerta a todos os setores da Saúde, Educação e
Esporte, encaminhando documento esclarecedor sobre os riscos do uso dos
esteróides, principalmente a todas as academias de esportes do país e também
aos políticos, para evitar o uso indiscriminado de tais medicamentos.
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